Como o desfecho das últimas quatro finais de Carioca entre Vasco e Flamengo foi o mesmo, em favor dos rubro-negros, a provocação se repete igual conversa de botequim, às vésperas da próxima decisão, às 16h deste domingo, no Maracanã. Por mais saudável que deva ser a convivência entre contrários, vascaínos e rubro-negros só são capazes de brindar a rivalidade até que o fim da festa traga a próxima conta. Diante do caderninho, em que o freguês assina suas pendências, cada um tem a sua leitura para fugir da parte mais dolorosa das estatísticas.
Apesar do estigma do vice, forjada por derrotas sucessivas desde 1999, o Vasco foi dez vezes campeão Carioca em edições em que o Flamengo terminou em segundo. Do outro lado, os rubro-negros celebraram 11 conquistas, seguidos pelo rival. Destes 21 campeonatos, 16 foram sacramentados após o clássico, seja na finalíssima, em decisões de turno, ou na soma de pontos. Por este critério em que as últimas partidas do segundo turno de 1977, 1978 e 1996 se tornaram decisões, o Flamengo soma 11 títulos contra cinco do Vasco.
A julgar apenas as finalíssimas, em que os dois times podiam sair campeões do mesmo jogo, a vantagem rubro-negra é de 8 a 4. Ou seja, estava tudo empatado até o fim da tarde do dia 19 de junho de 1999, quando a falta cobrada por Rodrigo Mendes desviou na barreira, traiu Carlos Germano e inverteu a curva que, de tão alongada, já pode ser vista com um reta infinita. Apesar da abstração, que sugere a impossibilidade do encontro de trajetórias paralelas, os caminhos de Vasco e Flamengo vão se cruzar novamente.
— Os mitos fazem parte do esporte e servem também para dar origem a uma nova história quando as escritas são quebradas — diz o professor Ronaldo Helal, sociólogo especializado em esporte e torcedor do Flamengo, ao lembrar que as verdades definitivas no futebol não duram mais que 90 minutos — O Brasil tem essa ciclotimia. Como dizia o Darcy Ribeiro, a gente vai do ufanismo tolo ao pessimismo exacerbado em instantes. Até quarta-feira, a torcida do Flamengo apostava no título da Libertadores. Agora, se perder do Vasco, nada mais presta, é o pior do mundo. Em cinco dias, muda tudo.
Entre o rigor científico e paixão pelo Flamengo, o movimento de Ronaldo em busca do equilíbrio repete o pêndulo da rivalidade. Dependendo do objeto de análise, a proximidade e o distância permitem uma visão diferente da mesma realidade. Nos números absolutos do Carioca, no qual tem a hegemonia com 32 títulos contra 31 do Fluminense, o Flamengo é o time que tem mais vice-campeonatos: 31 contra 23 do Vasco.
Para mergulhar na frieza dos números, é preciso ter o corpo aquecido pela paixão. No fim dos anos 1970, ao ver o pai registrar, num caderno, os resultados e as escalações de todos os jogos do Vasco, Gustavo Côrtes aprendeu a virar as páginas da rivalidade, ao se tornar pesquisador e autor de livros de futebol.
— Tenho quarenta anos e vi o Vasco ganhar muitas finais e jogos importantes sobre o Flamengo. Só tenho pena da garotada — disse, sobre o jejum de 26 anos em decisões e a série recente de sete jogos sem vitória sobre o rival.
— As interpretação das estatísticas dependem sempre do próximo confronto. É como uma série de empates, que pode representar uma invencibilidade ou um jejum de vitórias dependendo do último resultado.
Quando Cocada fez o gol do título de 1988, na última final de Carioca em que o Vasco superou o Flamengo, a contabilidade registrava um empate em 4 a 4 nas partidas supremas, aquelas decisões em última instância. Na época, era o Vasco quem costumava ter os melhores times e entrar em vantagem. Foi assim até o gol de falta de Rodrigo Mendes que inverteu as estatísticas e o sentimento entre os dois lados da rivalidade. Assim como os rubro-negros temiam pelo pior, diante de Romário e Edmundo em início de carreira, agora são os vascaínos que precisam enfrentar o panorama complexo da sua inferiodade nos últimos anos.
— Não acredito que os atuais jogadores do Vasco sejam afetados por isso. Pelo contrário, a chance de fazerem parte do time que quebrou a escrita pode até aumentar-lhes a motivação — disse Ronaldo Helal, ao discordar que a pecha do vice seja um traço da intolerância da sociedade brasileira. — Não é só aqui. O vice é a mesma coisa que o último lugar para todo time ou atleta acostumado a ser campeão.
Nas Ciências Sociais, a permanência do mito serve para explicar muito da sociedade que o produziu. Mais do que a força do Flamengo, sua prevalência em finais com o Vasco reforça a tendência a demarcar o caráter de pessoas e instuições, embora a realidade se encarregue de deixar todo mundo junto e misturado. Entre oposições que separam vítimas e algozes, orgulho e vergonha, nem o novo e elitizado Maracanã consegue preservar lugares tão bem marcados.
— O problema é a intolerância. Pela maneira que a cidade vive o futebol nos estádios e nos bares, com adversários bebendo e brincando juntos, dá para ver que é uma minoria que não tolera a comemoração alheia — Ronaldo.
No lugar de eliminar e desqualificar o rival, reconhecer seu valor é uma forma de valorizar a própria missão. A união de vencedores e vencidos celebra a festa do futebol e da democracia embora o esvaziamento do Maracanã e do Campeonato Carioca apontem para a direção oposta. Em vez de reconher a necessidade da reabilitação, a negação do problema é um sintoma comum ao discurso dos cartolas e às conversas de botequim. Por mais que a última rodada traga ilusão ou alívio, uma hora a conta chega, junto com as discussões entre rubro-negros e vascaínos acerca da contabilidade neste domingo. Quem paga mais caro, tem direito ao choro no final. O freguês tem sempre razão.
Edições do Carioca em que o Flamengo foi campeão com o Vasco como vice: 1944, 1974, 1978, 1979, 1981, 1986, 1996, 1999, 2000, 2001, 2004.
Edições do Carioca em que o Vasco foi campeão com o Vasco como vice: 1923, 1952, 1958, 1977, 1982, 1987, 1988, 1992, 1994, 1998.
Títulos conquistados pelo Flamengo em finalíssimas contra o Vasco: 1944, 1974, 1981, 1986, 1999, 2001, 2004.
Títulos conquistados pelo Vasco em finalíssimas contra o Flamengo:1958, 1982, 1987, 1988
Títulos conquistados por antecipação pelo Flamengo em final de turno com o Vasco: 1978, 1996, 2011.
Título conquistado por antecipação pelo Vasco em final de turno com o Flamengo: 1977.
Fonte: O Globo
SRN
Fonte: http://www.noticiasfla.com.br/2014/04/No-acerto-contas-entre-rivais-jogo-mais-importante-proximo.html
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