domingo, 27 de abril de 2014

Euforia, decepção e ofensas: Mano, Flamengo e o reencontro.









Foram só três meses e dois dias. Mas o suficiente para vivenciar situações diversas e despertar emoções opostas nos dois lados da corda. Neste domingo, às 16h (de Brasília), no Pacaembu, Mano Menezes e Flamengo se reencontram depois de sete meses e oito dias de uma relação de amor e ódio, desde a surpreendente despedida do treinador em 19 de setembro de 2013. O comandante agora irá rever um Fla que se firmou com o ex-auxiliar Jayme de Almeida e foi campeão dos últimos Campeonato Carioca e Copa do Brasil com praticamente o mesmo plantel que tinha à sua disposição. Já os jogadores vão se deparar com um técnico novamente motivado, desta vez no Corinthians, após um tempo afastado do futebol. Mas panos quentes à mostra.

O respeito toma conta dos dois lados para o reencontro, que tem trama de novela e espera pelas cenas dos próximos capítulos. Durante a semana, jogadores como André Santos e Chicão, comandados por Mano nas duas equipes, procuraram não apimentar o reencontro deste domingo. O técnico Jayme de Almeida, no entanto, não teve tantos cuidados, e se mostrou contrariado com a declaração de seu antecessor, que disse ter certeza do título rubro-negro na Copa do Brasil mesmo após sua saída.

Na sexta-feira, Mano foi seco e definiu como "curta" sua passagem pela Gávea. De fato, pouco mais de três meses não contam muito no calendário, mas foram momentos intensos, da chegada ao inusitado anúncio após o jogo contra o Atlético-PR.

Empatia relâmpago: a chegada de Mano ao Flamengo

O cenário em que se encontrava o Flamengo em meados de junho do ano passado era preocupante para a torcida. Equipe próxima da zona de rebaixamento no Brasileiro e duas trocas de treinador em seis meses: Dorival Júnior e Jorginho foram demitidos após maus resultados. A diretoria resolveu abrir mão da política de corte de gastos para apostar num nome mais experiente, com vencimentos mensais de R$ 400 mil. Mano Menezes, que havia saído recentemente do comando da Seleção, foi o nome sugerido. De cara, a empatia: os flamenguistas aprovaram em massa a escolha em enquete no GloboEsporte.com, com 85% dos 10.207 votos. E o treinador também gostou do projeto rubro-negro e aceitou o desafio, classificando a saída da Seleção para a chegada ao Fla como "de Nação para Nação", conforme escreveu em sua conta no Twitter.

- É um prazer muito grande estar aqui. Quando você inicia uma carreira, tem determinados lugares que mira como objetivo. E, certamente na carreira de um técnico brasileiro, um dos objetivos é um dia assumir o Flamengo, e eu estou assumindo essa responsabilidade agora, com orgulho, como já disse - afirmou Mano, em sua apresentação na Gávea.

O final feliz da negociação entre Flamengo e Mano Menezes deixou animada a diretoria do clube. Após o acerto com o técnico, o vice-presidente de futebol rubro-negro, Wallim Vasconcellos, exaltou o novo treinador e demonstrava otimismo.

- Ele é um profissional muito bem sucedido, no Grêmio, no Corinthians, na seleção brasileira, e tenho certeza de que vai ser no Flamengo também. Vamos contar com ele para levar o Flamengo lá em cima de novo. Acho que a torcida também está feliz. O Flamengo merece o Mano, e o Mano merece o Flamengo também.

Situação inversa: reencontro frustrante com Corinthians

A situação que Mano vivenciará neste domingo será muito parecida com a que experimentou no dia primeiro de setembro de 2013, 18 dias antes de seu pedido de demissão. O palco e os artistas eram os mesmos: Corinthians e Flamengo no Pacaembu. Naquela época, era o reencontro do treinador com o clube paulista, o qual deixou para assumir a seleção brasileira em julho de 2010. Só que não foi de boas recordações para o comandante. Goleada por 4 a 0 do Timão de Tite, com dois gols de Alexandre Pato, hoje no São Paulo.

Logo depois do jogo, Mano não viu tamanha superioridade do adversário e classificou o placar elástico como um "duro golpe para assimilar" para um Flamengo imaturo. O técnico até brincou dizendo que as equipes que comanda não costumam ser vazadas dessa maneira.

- Se não estiver equivocado, a última vez que um time meu perdeu por essa quantidade de gols foi em 2005, quando o Grêmio foi derrotado pela Anapolina. Isso mostra como as coisas funcionam. Quando rivais tão fortes como Corinthians e Flamengo se enfrentam, um placar de 4 a 0 foge da realidade. Você perder aqui para o Corinthians é normal, mas não por esse resultado.

Euforia: jogo marcante em meio à campanha mediana

Em números, o desempenho de Mano no Flamengo foi precisamente mediano: conquistou 50% dos pontos disputados. Em 22 partidas, foram nove vitórias, seis empates e sete derrotas, com 26 gols marcados e 27 sofridos. Mas em meio a isso houve um jogo marcante para o clube: no dia 28 de agosto no Maracanã, a vitória por 1 a 0 sobre o Cruzeiro, com um gol de Elias aos 43 do segundo tempo, valeu a classificação para as quartas de final da Copa do Brasil e foi determinante na campanha do título.

Enquanto Elias e todos os outros jogadores comemoravam o gol, Mano caminhava de volta ao banco de reservas com as mãos unidas junto ao rosto em uma festa solitária. Era a emoção de uma tarefa que parecia impossível para muitos: superar um dos principais times do país, que terminou a temporada como campeão brasileiro.

- Foi muito gostoso ver o comportamento da minha equipe hoje. Quando você consegue transmitir isso se sente realizado. Fomos premiados com um gol no fim. Confirmamos o que falamos para os jogadores, que era possível, que podia acontecer, que tínhamos que batalhar em cima disso. Tudo que fizemos foi bem feito. Sei que sofri algumas críticas pela forma como armei o Flamengo lá (em Belo Horizonte, com o zagueiro Samir na lateral esquerda). Não sou aproveitador, mas acho importante a gente crescer. Tínhamos que passar lá daquela maneira. Via tudo isso sendo premiado aos 43 do segundo tempo. Treinador também se emociona, se envolve inteiramente, estou envolvido com esse grupo, que tem me dado motivos de sobra para estar. É isso que a gente leva desse confronto - disse na entrevista depois da classificação.

A decepção: saída inesperada e multa incomum no brasil

Mas seis partidas depois... A euforia da torcida se transformou em decepção. E justamente num jogo em que o Flamengo fazia sua melhor apresentação sob o comando de Mano Menezes. Abriu 2 a 0 sobre o Atlético-PR no Maracanã e controlava o duelo até sofrer um gol e se perder. Levou outros três e terminou com a virada por 4 a 2 para o adversário. Como explicar? A demora de quase uma hora para o treinador aparecer na sala de imprensa não foi para pensar numa resposta, e sim para comunicar que acabara de pedir demissão.

- Vamos conversar um pouco diferente. Acabo de ter uma reunião com todos e comuniquei oficialmente que não sou mais técnico do Flamengo. Primeiro informei ao Paulo Pelaipe (diretor executivo rubro-negro). Depois do jogo, fiz o comunicado a todos os jogadores. Estávamos fechando um ciclo de quatro meses e senti no resumo do jogo de hoje que não consegui passar para esse grupo aquilo que penso de futebol. E quando é assim, é porque o técnico precisa sair. Com essa visão, tomei essa decisão difícil e inédita na minha carreira, mas julgo ser a mais correta neste momento para que o Flamengo trilhe outro caminho que não seja esse, mais perto da zona de rebaixamento do que na parte de cima da tabela - anunciou em discurso que se repetiu em nota em seu site oficial dias depois.

Mano estava sozinho de frente para os jornalistas. Fez o comunicado sem direito a perguntas. A decisão pegou a todos de surpresa, dentro e fora do clube. A diretoria não encontrava explicação, e alguns jogadores tentaram demovê-lo da ideia até o último segundo. Chicão, Hernane, André Santos e Marcelo Moreno o perseguiram até a porta que dava acesso ao auditório onde seria dada entrevista coletiva. Não teve jeito. O treinador se mostrou irredutível e pediu apenas que o respeitassem. Boatos na época davam conta de que já existia um contato entre o técnico e o Corinthians para ser o substituto de Tite, que não teria o contrato renovado ao fim da temporada.

Fato é que a paciência do técnico estava no limite antes mesmo da última derrota. O motivo era o descontentamento com a postura de alguns jogadores fora de campo. As notícias de uma agitada festa na casa de Carlos Eduardo e da batida de carro de André Santos na mesma madrugada foram decepções para o comandante. Pouco tempo antes, Mano chegou a dizer que não vigiaria ninguém em seu horário livre, mas tomaria atitudes se achasse que o rendimento em campo estava sendo afetado. Além disso, incomodou a dificuldade da diretoria em reforçar o elenco. Após três meses, apenas o próprio André Santos e Chicão chegaram como reforços de uma lista extensa de tentativas frustradas.

A saída de Mano do Flamengo gerou uma situação incomum no Brasil. O treinador ter que pagar a multa rescisória ao clube por interromper seu contrato que iria até dezembro de 2014. Para pedir o boné, ele teve que coçar o bolso e pagar R$ 800 mil, valor equivalente a dois meses de salário. A partida do comandante instalou uma crise no Rubro-Negro, e os torcedores absolveram o ex-técnico pela situação na época. Em nova enquete no GloboEsporte.com, os jogadores foram eleitos os principais responsáveis pelo momento ruim, com 58,6% dos 4.713 votos. A diretoria ficou com 33,6%, e Mano teve só 7,7%. Mas nas ruas, flamenguistas criticavam o treinador, que chegou a ser chamado de "covarde". O agente Carlos Leite defendeu a escolha de seu cliente.

- O Mano podia criar mil desculpas, mas em momento algum fez isso. Ele assumiu a responsabilidade. (...) Ele não conseguiu fazer o Flamengo jogar da forma que gostaria. Os jogadores não estavam reagindo, e saiu para não prejudicar o clube. O Mano teve uma atitude de muita coragem porque sabe o que representa decisão, sabe a multa no contrato. É quase inédito um treinador ter que pagar alguma coisa para sair. De repente, o próximo treinador consegue melhorar o time.

Pós-Mano: título, ofensas e declaração curiosa

A saída de Mano virou um divisor de águas para o Flamengo. Em entrevistas posteriores, os jogadores admitiram que assumiram a responsabilidade para afastar a crise instalada. E a iniciativa saiu melhor que a encomenda. Além de afastar o risco de rebaixamento no Brasileirão, o elenco dirigido pelo então interino Jayme de Almeida deu prosseguimento à classificação heroica sobre o Cruzeiro e conquistou a Copa do Brasil. Título que teve como comemoração na arquibancada do Maracanã, além da festa, ofensas ao ex-treinador. Gritos de "Ei, Mano, vai tomar no...", e "Ô Mano, vai se..., o meu Flamengo não precisa de você" ecoaram em alto e bom som no estádio. Nas redes sociais, outros foram irônicos ao mandar mensagens de agradecimento ao ex-treinador.

Enquanto isso, Mano se afastou do futebol até o fim do ano, quando fechou contrato para retornar ao Corinthians, clube que defendeu entre 2007 e 2010. Em sua apresentação, o episódio sobre sua saída do Flamengo voltou à tona, mas a resposta do treinador foi a mesma. Só que com um complemento.

- Geralmente, as pessoas querem ver sangue, querem jogar treinador contra jogador, mas nunca disse que eles não estavam entendendo. Eu que não consegui.

E no mês passado, em participação no programa "Bem, Amigos", do SporTV, Mano deu uma declaração no mínimo curiosa. Novamente, o pedido de demissão na Gávea fez parte da pauta. E na ocasião, o técnico disse que quando tomou aquela decisão, mesmo deixando o clube, sabia que o Flamengo seria o campeão da Copa do Brasil e que voltaria à Libertadores.

- Eu tinha certeza de que o Flamengo ia ganhar a Copa do Brasil. Mesmo assim, achei que deveria sair. Exatamente naquele momento (após a vitória contra o Cruzeiro, nas oitavas) deu para sentir que o Flamengo ganharia a Copa do Brasil. Foi uma série de fatores que me levou a entender que não tinha como colaborar com a parte importante (que é a colaboração do técnico, naquele momento) e achei que deveria sair. Foi isso que fiz - explicou.

Na última sexta-feira, exatamente um mês depois da curiosa declaração, Jayme de Almeida concedeu entrevista coletiva no Ninho do Urubu e respondeu a Mano. Para o atual técnico rubro-negro, seu antecessor jamais poderia prever o título na situação difícil em que o time se encontrava.

- Trabalho como auxiliar desde 2010 aqui e tenho muito respeito pelo Mano Menezes. Depois do Vanderlei (Luxemburgo), que conheço desde os 15 anos e não conta, foi o técnico que me deu mais liberdade aqui para conversar. Tenho um carinho grande por ele e sei que é recíproco. Mas afirmar que sabia que seria campeão é um pouco difícil. A gente tinha segurança de muito pouca coisa, ainda mais bater campeão de algo. Ninguém achava isso. Nem tinha certeza de que escaparia do rebaixamento. Depois do confronto com o Botafogo na Copa do Brasil é que acendeu uma luz no fim do túnel - contestou.

A hora do reencontro: respeito dos dois lados

O reencontro do Flamengo com Mano Menezes, neste domingo, é algo que vem sendo esperado desde que o treinador deixou o clube em setembro do ano passado. Antes de rever o antigo comandante, há a dúvida sobre as diferentes atitudes e reações dos jogadores rubro-negros. Mas nas entrevistas durante a semana, os atletas pregaram respeito. O lateral-esquerdo André Santos garantiu que cumprimentará normalmente o treinador, que chegou a convocá-lo pra a seleção brasileira e com quem também trabalhou o Corinthians.

- Sou grato a ele pelo trabalho que fez ao longo da minha carreira. É um cara inteligente, humilde, vencedor no que faz. Vou cumprimentá-lo. Se não estava feliz aqui, foi tentar ser feliz em outro lugar. Nós estamos felizes com o Jayme, mas não podemos esquecer o Mano. Ele trabalhou aqui e saiu dizendo que a culpa não era dos jogadores. Não teve problema com ninguém do clube.

Contratado pelo Fla no meio da temporada passada a pedido de Mano, Chicão tem afinidade com o técnico, com quem também jogou no Corinthians. Mesmo assim, o zagueiro disse que nunca conversou com ele sobre o assunto depois de sua saída. O defensor não quis entrar em polêmica e inclusive dividiu os méritos da conquista da Copa do Brasil com o ex-treinador.

- Sinceramente, não entendi, mas foi uma decisão dele. Não sei se era o momento, mas ele decidiu assim. Ficou um tempo parado e vamos reencontrá-lo da melhor maneira possível. Ele também teve participação no título (da Copa do Brasil), principalmente naquele jogo com o Cruzeiro.

Fonte: GE


SRN

Fonte: http://www.noticiasfla.com.br/2014/04/Euforia-decepcao-ofensas-Mano-Flamengo-reencontro.html

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