Na noite do domingo passado, um sommelier etílico habitué aqui do boteco do Portuga, conhecido por dar declarações polêmicas e outra coisinha mais, que não vem ao caso, resolveu chamar a atenção dos comensais que degustavam o intenso bolovo servido no local. Ergueu-se, golpeou algumas e rápidas vezes a borda do seu copo com uma colher, e determinou, sem a menor cerimônia: “O Flamengo vai cair esse ano nessa porra.”
Alguns, uma minoria de estoicos vascaínos que tomava sopa de ervilhas num canto, o ignoraram solenemente, pois estavam preocupados com assuntos bem mais urgentes do que a derrocada de um rival figadal. Nem isso os diverte mais. Outros, a grande maioria de rubro-negros, estacaram, muitos com as bocas ainda cheias de salgadinho não mastigado, e ficaram olhando para o atrevido provador de pinga. Era possível perceber que não havia consenso entre a plateia, pois enquanto uns o mandaram tomar caju, outros o mandaram levar no nabo.
Ora, não é segredo que sou de boa paz, e muito me incomodaria caso houvesse um linchamento na minha rua, até porque quero a polícia bem longe de lá, por razões particulares. Daí, assumi a função de consolador, recitando a máxima irrefutável do futebol, a saber, “Time grande não cai, e vou ficar devendo a de hoje, valeu, Portuga?”
Só que o tal sommelier ainda tinha uma carta na manga, e um pingo de lucidez, e contra-atacou impiedosamente: “Mas... e se cair?”
Ah, eu e minha sina com chatos e incréus...
“O ‘se’ não existe no futebol, ô animal!”
Outra máxima do esporte bretão que meu oponente não conhecia, o que leva a crer que os meus chatos e incréus são também ignorantes. Mesmo assim, ainda fui generoso: “E se time grande cair, ou nunca foi grande ou deixou de ser. Tipo Vasco, Fluminense, Grêmio, Corinthians...”
Ele reagiu: “Pera aí! Então o Flamengo não é grande?”
“Já falei: ‘se’ cair, sendo que ‘se’ não existe no futebol!”
Nesse ponto, os circunspectos beberrões vascaínos que compõem a distinta freguesia do Portuga (e porque não dizer, a do Flamengo) me colocaram nos radares de sua ultrapassadas naus, e passaram a ouvir, intrigados, o meu discurso improvisado: “Não foi uma vez só que o São Paulo começou o Brasileirão estagnado lá no Z4, mas ninguém da mírdia escrotiva paulicha sequer cogitou a queda dos bambis. Ficavam sempre naquele papinho de que era uma fase difícil, que o campeonato ainda estava no início, o escambau a quatro. Agora, quando é o Mengão ou o Vasco (já fazendo média com os meus novos espectadores da Série B), basta dormir na zona do rebaixamento que é como se já tivesse caído.
“Cenão vejemos e erremos: acho menos estranho o combalido Flamengo estar em penúltimo lugar do que o poderoso Fluminense estar em segundo! Com aquele timaço arrumado em transações pra lá de estranhas bem nas barbas do Ministério Público, o simples fato do Tapetense não ser o líder absoluto dessa bagaça devia ser abordado nas rádios, jornais e tevês! Até o Vascão, o Gigante da Colina (olha a média aí de novo), tá de namorico com a Série C, e ninguém fala nada? Na Gávea, minha gente, a coisa tá bem melhor, porque muita água ainda vai rolar até o fim do ano, enquanto que em São Januário duvido que a Cedae libere uma gota que seja!
“O Mengão não vai cair. Só tá passando por esse perrengue porque minha faxineira banguense, que já foi botafoguense, mas virou a casaca porque não aguentava mais sofrer, guardou meu sacrossanto manto virado pelo avesso. Descobri logo depois da derrota pro Cruzeiro. Pô, todo mundo sabe que isso dá uma zica danada, mas garanto que até o fim da Copa vou arranjar um tempinho pra desvirar essa camisa, e aí, malandro, ninguém segura!”
Ia começar a esculachar o Botafogo, só pra descontrair, mas parei porque o Almir Biriba, praticante de jiu-jítsu, e mentor do Bonde da Cachorrada adentrou no bar. Parei também porque o pessoal começou a desconfiar de que eu tava bêbado, e, confesso, eu também.
Agora, sejemos cinseros e analfabéticos aqui entre nós aqui, meus leais detratores: este ano, o Flamengo não tem que chegar na frente de 19 times. Só de 4. A gente autoriza, só desta vez. Mas também se o Mengão cair pra Série B num ano em que disputam a Série A Figueirense, Bahia, Criciúma, Sport, Chapecoense e Botafogo...
Ainda bem que o “se” não existe no futebol.
Fonte: Buteco do Flamengo
SRN
Fonte: http://www.noticiasfla.com.br/2014/06/O-torcedor-ta-precisando-15-dias-ferias.html
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