sábado, 24 de janeiro de 2015

La dolce vita de Eduardo Bandeira de Mello.










La dolce vita de Eduardo Bandeira de Mello. Sem a Fontana di Trevi e a Anita Ekberg pra se inspirar. Quando vi La dolce vita do Federico Fellini tive sensação semelhante ao receber o desafio republicano de escrever sobre o presidente do Clube de Regatas do Flamengo. Tentei colocar as informações numa ordem cartesiana. Num marco histórico. Numa cronologia com início, meio e fim. Tanto o filme, quanto um simples bate papo com o chefe da Nação Rubro-Negra fogem a ordem natural das coisas. Isso é Flamengo. Isso é Fellini. Para o diretor italiano, o cinema é o modo mais direto de se entrar em competição com Deus. Eu ouso dizer, depois de uma tarde com Eduardo Bandeira de Mello, que ser presidente do Flamengo também.

De doce a vida de um presidente do clube mais popular do país não tem nada. O título genial de Fellini é cheio de significados e ironia. O desse texto inclusive. Eduardo Bandeira de Mello nasceu Flamengo. Por parte de pai e mãe. A família não teve mistura. Ele é um sangue azul. Sem ou com trocadilho. Suas principais lembranças da infância envolviam a família reunida  em torno da televisão do avô, isso num ano que o Flamengo não conquistou o campeonato, lembrou o presidente. E o Brasil foi campeão do mundo sem vencer o Mais Querido. Em um amistoso disputado no Maracanã, 28 dias antes da estreia da seleção na Suécia, que tinha no seu scratch os rubro-negros Joel, Dida e Zagallo. 1958,  o ano da infância do presidente. Questão – para uma rubro-negra como eu – muito mais importante que o título de campeão do mundo do Brasil.

Depois disso, surgiu um brilho no olhar do presidente que me lembrou o Mastroianni vendo a Anita Ekberg na famosa cena da Fontana. Ele quase que declama. É uma poesia ouvir a escalação do Flamengo da sua juventude, o time de 1963: Marcial, Murilo, Luis Carlos Freitas, Ananias, Paulo Henrique, Carlinhos, Nelsinho, Espanhol, Aírton, Geraldo e Osvaldo. Lembrou também do Gerson e do Dida que foram negociados. E daquele sentimento de perda que já naquela época causava na torcida. Mas o time campeão foi esse que eu te falei. E título é o que vale, é o que nós queremos, amamos e precisamos,  n-ã-o-é-p-r-e-s-i-d-e-n-t-e?

Eu quis saber quando foi a primeira ida dele ao Maracanã. Uma das críticas mais contundentes da oposição política atual do clube é que a diretoria-caviar-azul nunca frequentou as arquibancadas do Maracanã. Então o Bandeira voltou a me olhar com olhos de Mastroianni. Apesar de. Não sei precisar o ano, acho que foi 1959 ou 1960 num Flamengo x Vasco. Mas nós perdemos com gol de pênalti. O goleiro deles, Ita, agarrou tudo naquele dia. Inclusive um pênalti do Moacir.  Eu perdi uma noite de sono, ou sonho, para descobrir o ano preciso da primeira ida do presidente ao Maraca.  Em 1959, o Flamengo só empatou com o time da Colina. Já em 1960, encontrei uma pista num livro-herança do meu velho pai: “Vasco venceu. Mas, Fla caiu de pé: 1 x 0”. A boa e velha “FLAPRESS” nos brindando com essas manchetes geniais, não é mesmo? Neste ano perdemos pra eles nos dois turnos do Carioca. No primeiro entramos com Ari, Joubert, Monin, Jadir, Jordan, Carlinhos, Moacir, Othon, Henrique, Luís Carlos e Babá (O jogo que “caímos de pé” com gol do Wilson Moreira, no dia 4 de setembro). No segundo turno fomos de Edmar, Bolero, Monin, Jadir, Jordan, Carlinhos, Gérson, Babá, Moacir, Henrique e Germano (Em 26 de Novembro, com gol de Delém. Deve ter sido nessa época que começou nossa sina de tomar gol de nomes estranhos). Valendo a consideração do presidente: Qual desses dois jogos perdemos de pênalti? Curioso que o Ita, o goleiro  que fechou o gol do Vasco para infelicidade do menino Bandeira era reserva do Barbosa. Chegou ganhando Cr$ 4 mil cruzeiros, entre luvas e ordenados, e saiu com o último contrato lhe dando Cr$ 400 mil mensais e um Fusca!

Os Anos 60 foram importantes na formação do TORCEDOR Bandeira. Foram tempos de times tecnicamente fracos mas com uma raça, me contou exaltado.  Essa característica passou a ser para ele (e para torcida do Flamengo) condição fundamental para um jogador rubro-negro. Eu gosto de jogador que se entrega, que dá o sangue. Quando eu tinha 15 anos o melhor jogador do Flamengo era o Silva. Já o que eu mais gostava mesmo era o Murilo. Inclusive, na época da campanha, eu tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente. Pra ele não tinha bola perdida, era um lateral direito ofensivo, praticamente  ‘indisciplinado’ pois ia quase que contra a ordem do treinador. Ele se mandava para frente, não queria nem saber, devia correr uns 20 km no jogo inteiro. Sempre gostei de jogador raçudo. Nessa hora eu fechei os olhos, entrei no chafariz e gritei: “Marchhhellllllo, Come Here!!!!” Imaginem o presidente do FLA-MEN-GO, na sua frente, falando de um lateral direito ofensivo, que corria o jogo inteiro??!?!!? Que agonia! Eu só pensava “nele”.  Bom, eu estava ali para conhecer um pouquinho mais dos sonhos do presidente, e não dos meus. O Fellini filmava seus próprios sonhos. Gosto de pensar nisso.

Até então o papo estava alto nível, até que eu quis  saber de algum jogador baranga, um perna de pau que tivesse marcado a história dele. Sinceramente nunca pensei nisso. E se tem uma coisa que eu não gosto é quando a torcida do Flamengo hostiliza algum jogador. Nessa hora eu quis sair correndo sem olhar para trás. Imagina o presidente me vendo nas arquibancadas do Maracanã, com aquela minha educação do Sacre-Coeur às avessas?!?! Mas, ousadamente, questionei: “Como assim presidente? O Senhor não gosta de vaia? Nem quando vê o cara com as mãos na cintura, paradão, ou dando passe de calcanhar em jogo decisivo?” Não. Não gosto de vaia. Até admito no final do jogo, mas durante a partida é pouco inteligente. As vezes o jogador está ali se esforçando, você percebe a limitação dele e de repente é vaiado?!?! Ele acaba ficando pior ainda. Aí vem a imprensa, os jornalistas pegam no pé, eu NÃO gosto. Eu nunca gostei de ridicularizar jogador. Vestiu o manto sagrado tem que ser respeitado. Se está demonstrando falta de compromisso eu até aceito, mas se ele está jogando mal por limitações, acho que não deve. Eu queria ter mais tempo com ele para debater esse ponto. Eduardo Mastroianni, se tem limitação não pode vestir o manto sagrado, não é mesmo? Não é doce a vida de um presidente sendo entrevistado por uma torcedora-blogueira.

Então me diga, quando o senhor conheceu sua esposa disse pra ela: Na minha vida o Flamengo vem em primeiro lugar? Não precisei. Ela até dizia que era botafoguense quando começamos a namorar, em 1980. Ela ia comigo para o Maracanã, e vendo aquele time, acompanhando aqueles jogos, e ainda mais querendo casar com o BONITÃO aqui, virou Flamengo. Conclusão: Mais uma vitória sobre o Botafogo. [Marchhhelllo, Marcheeeeellllooo!] E os meninos, que nasceram um em 1982, e dois em 1989 são todos muito ou tão Flamengo quanto eu. E quando a família e os filhos são citados, começamos a lembrar dos episódios que marcaram época nesses dois anos de gestão, que envolveram justamente os meninos e posturas do presidente-torcedor nos estádios e até no aeroporto. É impossível separar o presidente do torcedor nessas horas, me disse ele. E quando envolvem filhos com ameaças, agressões e xingamentos o pai acaba tomando as dores. Mas eu não agredi nenhuma velhinha no Maracanã, como fui acusado no dia seguinte ao jogo de Flamengo x Lanús. É verdade, confirmei, não agrediu mesmo. Eu estava bem pertinho dele. Até porque nesse dia, eu deveria ter sido a primeira a ser agredida, pois xinguei todas as gerações dos Bandeira de Mello durante a partida. Só que  ninguém me ouviu. Ufa. Já a imprensa fez a festa nesse episódio, entre tantos outros, e eu aproveitei para perguntar  sobre a relação com os jornalistas e os blogueiros e seja o que Zico quiser! Afinal, foi em La Dolce Vita, que os “paparazzos” se imortalizaram. O personagem do Marcello Mastroianni era um jornalista, dá um desconto presidente. De uma maneira geral é boa. Eu diria que me dou bem com 99% da imprensa e dos blogs. Quem faz parte desse 1% aí, presidente? Não vou citar nomes, mas não é difícil de descobrir. 

Enquanto íamos conversando lembrei que La Dolce Vita é um filme todo em preto e branco. Entretanto,  foi tão bem rodado que a sensação que temos é que ele sempre foi um filme colorido.  Muitos rubro-negros tem essa mesma impressão da gestão Bandeira de Mello, as cores vivas dos títulos, das vitórias, das grandes conquistas não apareceram ainda, como a chapa eleita no período da campanha propagou: Flamengo Campeão do Mundo. Porém, o senso comum anuncia que o Clube chegará lá. Outros ainda insistem na velha política trabalhando internamente para (re)assumir o poder rubro-negro na próxima eleição. A conferir. Afinal, no meio do caminho havia um Bandeira. Havia um Bandeira no meio do caminho.

Foi o acaso que te elegeu, presidente? Destino? Missão Divina? Não sei o que foi. Talvez um conjunto de fatores, seguramente não foi planejado. Quando o Walim me chamou eu topei sem imaginar que seria presidente. E acabou acontecendo. Provavelmente se eu tivesse construído minha vida com esse objetivo poderia não ter acontecido, como é o caso de muita gente que teve e ainda tem essa ambição. Eduardo, ser presidente foi a maior loucura que o senhor já fez pelo Flamengo? Se pensar bem… Ele me respondeu com ar de reticências e um olhar distante. Em seguida lembrou que quando tinha 15 anos foi com três – dos seus cinco irmãos – assistir um jogo lá na Bariri. Saíram da Usina no maior estilo Guia Rex debaixo do braço (GPS é para os fracos), para assistir um jogo de juvenis. O time era uma porcaria, não estava disputando nada naquele ano, mas resolvemos ir. Pegamos três conduções, cada um carregando uma bandeira do Flamengo, e quando o time entrou em campo eles foram direto nos cumprimentar. Jogava o Zanata, o Chiquinho do Leblon, o Washington, o Tinteiro, mas o jogo era inexpressivo. No final tivemos a maior dificuldade para voltar pra casa, e claro, levamos uma bronca danada para ver um jogo que não valia absolutamente nada. Depois disso, teve também aquele 5 x 1, em Volta Redonda, que eu fui assistir no velho Raulino de Oliveira, com a minha mulher GRÁVIDA. Pra ver aquele time de 1981 valia qualquer sacrifício.  Nem precisa pensar bem…

Em um ano de eleição insisto em saber a DOR e a DELÍCIA de ser presidente do Flamengo. A dor é quando o time está perdendo e você não pode entrar em campo. Você sabe que na parte administrativa está fazendo o melhor trabalho possível, mas as coisas não estão acontecendo, e as consequências dessa derrota extrapolam o ser presidente, a sua pessoa. Eu já tive filho ameaçado! Você está no Maracanã e as pessoas te xingando (ai Jesus, desculpa presidente), xingando a sua mãe que não tem nada a ver com aquilo e ela também está sofrendo por minha causa, enfim, isso é desagradável. Já a delícia… A delícia é poder ajudar o Flamengo. É ver de perto o que ele representa na vida das pessoas. Você sai na rua…nossa…eu sempre fui discreto, anônimo, nunca fui reconhecido, não era pra ser mesmo, e você vê as pessoas humildes, o time perdendo, e as pessoas falando: “presidente, é isso mesmo, a gente tem que resgatar nossa dignidade, temos que ser bom pagadores, temos que dar o exemplo, o senhor tá certo”. E você vê esse tipo de coisa e isso é gratificante.

Preciso ser mais evoluída e muito mais humilde.

No Amor, na Guerra e no FLAMENGO vale tudo, presidente? Não, claro que não. Respondeu categórico. Então me diga qual foi sua tomada de decisão mais difícil, alguma que tenha causado tristeza ou dor. Tem várias. Toda vez que eu tenho que assinar uma demissão aqui, dói.  Completei na lata: A demissão do Ney Franco doeu? Não acredito. Ele rebateu. O Ney Franco é uma pessoa seríssima, um profissional caprichoso, eu assistia os treinos dele. Mas não estava acontecendo. Foram sete jogos, perdeu cinco, e um conjunto de coisas que contribuíram para aquilo, mas que não desqualificam o trabalho dele. Imaginei como outros presidentes, ex-presidentes, teriam lidado com “esse conjunto de coisas que contribuíram”. Perguntei se ele se espelhava em algum ex-presidente. Ou melhor, se isso era possível. O presidente Márcio Braga foi, com certeza, um presidente marcante. Eu, por exemplo, comprei meu título de sócio proprietário para poder votar nele. Já disse isso a ele. Quando o grupo dele assumiu, foi um marco, um salto de qualidade na administração do Clube. Se bem que, mesmo o pessoal que vinha antes, tinham coisas positivas como o trabalho da divisão de base. Eles inovaram nas ações, mas encontraram Leandro, Adílio, Andrade. Só que  tiveram competência para trabalhar esse ativo, foram vanguarda naquela época. Certamente sem eles o Flamengo não tinha chegado até aqui. Uma (sub)consciência interessante.

E o senhor está sendo vanguarda também? Acha que está fazendo história no Clube? Todo mundo que passa pela presidência do Flamengo fica marcado. Nesse sentido eu não serei diferente, mas sinceramente não é isso que me move. Eu não estou aqui por vaidade pessoal, nenhum de nós do grupo está aqui por vaidade pessoal. Eu jamais vou dizer que eu sou realizado como presidente do Flamengo. Ficarei realizado seu eu puder dizer, daqui a alguns anos, que fui um bom presidente, que o Clube melhorou no período que trabalhei nele.  O presidente do Flamengo erra? Ou NÃO pode errar? Todo mundo erra. Eu naturalmente estou errando e vou errar ainda mais. Tenho acertos e erros. Como eu vivo o Flamengo desde criança, consequentemente acompanhei muito das coisas que passaram por aqui. Eu tento aplicar as boas e evitar as ruins.

Enquanto aquela conversa-perfil ía se desenhando, pensei no quão significativa foi a crítica de Fellini no filme a um distanciamento daquilo que somos. Logo, do que sentimos quando o Flamengo se distancia do que ele é. O Flamengo é para aquilo que nasceu: ser campeão. Maior e melhor que tudo e todos. E quando isso não acontece o mundo, a vida, o SER, perde o sentido. Conversamos sobre as derrotas do mandato que doeram na alma. Destacamos os acertos financeiros. Exaltei uma bola na trave que ele, sim ele, o presidente meteu em um jogo festivo na Gávea. Se aquela bola entra ia ficar ainda mais bonito, declarou com olhos de Mastroianni. Sim, se aquela bola entra. Aproveito a deixa pra saber o que ainda não sei. Em 2015, “o que falta para a bola entrar, presidente?” Tudo pode acontecer esse ano. Pode surgir um fato que leve o nosso grupo a ficar melhor ainda do que está em termos de aceitação. Ou algo contrário, ruim, o que seria uma surpresa que eu acho muito difícil pois estamos tentando fazer tudo direitinho. Eu espero que os sócios possam votar pela continuidade, por um modelo de responsabilidade, trabalhar por um Flamengo sustentável, sem precisar de espasmos. O Flamengo tem tudo para ser o principal clube brasileiro e um dos maiores do mundo. Basta que a gente trabalhe de maneira séria e honesta. Se serei eu, ou outro, ainda está cedo. Nesse momento eu não descarto a minha candidatura, mas também não faço questão. Tem uma coisa muito boa de uma garotada, da sua geração, que está chegando e participando e isso me dá a certeza que estamos plantando uma semente muito boa. Pensando nessas palavras do presidente me lembrei de Amarcord, outra obra genial do Fellini, que quer dizer EU ME RECORDO. E encerrei o papo com ele citando uma frase do cineasta, no melhor estilo República Paz e Amor e seus intrépidos meninos. NÃO HÁ FIM. NÃO HÁ UM COMEÇO. EXISTE APENAS A INFINITA PAIXÃO DA VIDA. Da vida rubro-negra.

Pra vocês, Paz e Amor.

Vivi Mariano.


Fonte: República Paz e Amor


SRN

Fonte: http://www.noticiasfla.com.br/2015/01/la-dolce-vita-de-eduardo-bandeira-de-mello.html

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