terça-feira, 15 de julho de 2014

Segredo do sucesso: como a Alemanha criou empatia com Brasil.









Não foi o compacto 4-3-3, tampouco os lançamentos milimétricos de Toni Kroos, o faro de gol de Thomas Müller, a invejável classe de Bastian Schweinsteiger ou as defesas memoráveis de Manuel Neuer. Definitivamente não foi apenas o futebol a transformar a Alemanha numa campeã mundial no último domingo. Ainda que em menor escala, o sucesso quase absoluto entre os brasileiros passa por um processo pautado em 2013.

Houve um planejamento por trás das ações realizadas, talvez a maioria delas. A preocupação com a imagem do país perante o povo local era evidente – e não há oportunidade melhor do que uma Copa do Mundo para convencer gregos e troianos de que eles podem ser amigos. A Alemanha sequer precisou disso: gestos, previsíveis ou não, conquistaram um pedacinho no coração de quem pôde seguir os passos do time de alguma maneira durante os 37 dias no Brasil.

– Nossa preparação para a Copa do Mundo começou em 2013. Pensamos nas estratégias comerciais, parceiros, TV, propagandas. Mas também preparamos como iríamos agir, estar aqui e fazer parte do torneio. Nosso alvo desde cedo era ser o segundo time mais popular da Copa no Brasil – disse Patrick Kisko, chefe de marketing da DFB (Federação Alemã), em entrevista ao SporTV.

FlAlemanha ou Alemengo?

A grande sacada envolveu o Flamengo. Através da Adidas, fornecedora de material esportivo em comum, a seleção alemã criou uma camisa reserva rubro-negra. Havia uma insatisfação com o modelo antigo, o verde utilizado na Eurocopa de 2012 – o que, neste caso, permitiu uma "revolução" no uniforme. Bastou aos responsáveis ligarem os pontos para concluir que o clube mais popular do país seria um fator atraente.

A Alemanha utilizou a camisa em duas oportunidades: na vitória por 1 a 0 sobre os Estados Unidos, na última rodada da fase de grupos, no Recife, e no histórico 7 a 1 contra o Brasil, na semifinal, em Belo Horizonte. A seleção jogou de branco em ambas as vezes em que atuou no Maracanã – quartas de final, contra a França, e decisão, diante dos argentinos –, mas estava claro nas arquibancadas que a novidade encantou os rubro-negros. E nem mesmo os rivais (torcedores de Fluminense, Vasco e Botafogo) se mostraram contrários aos alemães apenas por este motivo. Principalmente na decisão contra a Argentina.

Se as cores não bastassem, lá estava o carismático Lukas Podolski. Amigo de André Santos desde os tempos de Arsenal, o alemão recebeu do lateral uma camisa do Flamengo personalizada com o seu nome. Em seguida, o próprio marketing do Rubro-Negro entrou em ação e presenteou Poldi, Schweinsteiger e outros jogadores quando vieram ao Rio para enfrentar a França. Os alemães bombardearam as redes sociais com pedidos de torcida no Maracanã. Repetiram a dose antes da decisão contra a Argentina. Deu certo.

– Estamos muito felizes com o retorno que isso traz para o Flamengo. E também muito feliz com o carinho que o Podolski demonstrou em todas essas oportunidades. É uma honra enorme para gente. O clube está sendo divulgado no mundo inteiro, isso é bom para os patrocinadores, para a marca. Tem muito estrangeiro que veio ao Brasil e saiu daqui com a camisa do Fla. É um símbolo do país que foi divulgado dessa forma por eles. A imagem exposta nas redes sociais é o que fica na cabeça de todo mundo, e é sensacional o fato de ainda ser espontâneo – afirmou Bruno Spindel, gerente de marketing do Flamengo, ainda sem planos para realizar alguma ação com o camisa 10 alemão.

As referências ao Brasil, claro, não param por aí. Schweinsteiger vestiu também as camisas de Bahia e Grêmio – também cantou o hino do Tricolor baiano com o goleiro Manuel Neuer num vídeo para o amigo Dante. Antes, durante e depois do Mundial, a DFB utilizou as mídias sociais de diversas maneiras para mostrar o quão confortável estava sua seleção. Em outros casos, os jogadores trataram de nos lembrar com cenas marcantes – como esquecer de Neuer e Schweini dançando "Lepo-Lepo" na praia com o amigo brasileiro Tibúrcio? Ou de Podolski e o camisa 7, este enrolado numa bandeira verde-amarela, torcendo na disputa de pênaltis contra o Chile?

– Nós amamos o Brasil, como as pessoas vivem, estamos felizes de ter feito parte desse torneio. O que queríamos mostrar, desenvolver a segunda camisa, por exemplo, que parece a do Flamengo. Há diversas coisas que desenvolvemos, comercialmente. Produzimos filmes, fizemos muito para mostrar às pessoas como os alemães são e como amam o Brasil – contou Patrick Kisko.

O legado

Os alemães foram além das palavras. Financiaram e idealizaram um projeto social chamado “Sonhos de Crianças”, voltado obviamente para os menores no Brasil – são 15 ao todo, com 500 mil euros investidos (cerca de R$ 1,5 milhão). Em Santo André ficará o maior legado: será estabelecido até a Copa da Rússia um fundo de reserva permanente para ajudar no desenvolvimento dos jovens. A única escola municipal da vila de cerca de 800 moradores deverá receber cerca de 20 mil euros anuais (R$ 60 mil) para, entre outros pontos, reformular a grade educacional. Bicicletas também foram doadas para que se arrecade ainda mais.

– Nós já temos ONGs que atuam na região. O objetivo agora é integrar, palavra do momento. E com a ajuda da delegação, vamos conseguir realizar o sonho de conseguir trazer as ONGs para dentro da escola e atender a todas as crianças da comunidade. Através de um projeto de período integral, vai dar início com dois dias, nesses dois dias elas terão atividade extraclasse para desenvolver várias habilidades necessárias para sua boa formação. Isso vai deixar para nós, educadores, a possibilidade de realizar um sonho – disse Patrícia Farina, a diretora da escola.

No dia 11 de junho, antes mesmo de a bola rolar para o Mundial, seis jogadores da seleção visitaram o mesmo colégio – entre eles estavam Schweinsteiger e Podolski, é claro. O encantamento dos meninos ao até mesmo baterem uma bolinha com os futuros campeões mexeu com o coração de todos.

– Foi um momento único na vida dessas crianças. Quem vive numa comunidade isolada, quase uma ilha, imaginaria receber uma seleção desse porte no povoado? Foi uma interação alegre, simpática dos jogadores, que jogaram bola com as crianças, que agora não param de falar disso. E também principalmente pela preocupação dos alemães com a melhoria do ensino, em colaborar de alguma forma. Estamos elaborando um projeto para implementar as ações que já são desenvolvidas aqui.

Nem mesmo a goleada por 7 a 1 sobre o Brasil na semifinal abalou as crianças.

– No dia seguinte já tinham esquecido. No dia do jogo enfeitaram toda a escola, a torcida já estava dividida. Já tínhamos algumas crianças torcendo para a Alemanha porque conheceram os jogadores pessoalmente e foi muito marcante. Eles jogavam bola no intervalo e citavam os nomes dos jogadores. Cada um era um jogador da Alemanha. Apesar do sofrimento na grande derrota, em todos os momentos eles torceram pela seleção alemã e estavam bem mais próximos. As crianças estavam até fugindo da escola para assistir aos jogos da Alemanha. Tivemos que suspender as aulas no dia dos jogos da Alemanha também, não só do Brasil – completou Patrícia.

Juntamente com a organização do Campo Bahia, a Federação também bancou a reforma de um campo de futebol do vilarejo. A areia está sendo substituída por uma grama de primeira linha, a mesma utilizada no Centro de Treinamento em que realizaram as atividades durante a Copa. A previsão de conclusão é até o fim do mês. No fim da estadia, a DFB doou 10 mil euros (R$ 30 mil) para índios da Aldeia Pataxó de Coroa Vermelha comprarem um veículo.

– Queremos deixar um legado que tenha a ver com o aprendizado, mas também voltado para o esporte. Estamos muito felizes em ter participado de tudo isso – contou o gerente Oliver Bierhoff, que posou com os índios e o cheque na despedida de Santa Cruz Cabrália, na última sexta-feira.

Concentração à venda

Os alemães também esperam capitalizar. A concentração do Campo Bahia será colocada à venda – Christian Hirmer, do ramo imobiliário, foi o principal responsável pela construção do condomínio de 15 casas de dois andares, 65 acomodações e 400 metros quadrados –, enquanto o CT ficará com empresários alemães, que agora tentarão manter o alto nível de estrutura e atrair clubes brasileiros para pré-temporada. Há a intenção de utilizar as instalações também nos Jogos Olímpicos de 2016, atraindo quem estiver envolvido nas competições de vela.

Para quem vive no povoado, a expectativa é de hospedar novos alemães nos próximos meses. Santa Cruz Cabrália tornou-se uma cidade ainda mais conhecida graças ao título da seleção e pode se transformar num cobiçado ponto turístico – por enquanto, Santo André é vista como um recanto atraente e dos mais discretos do sul da Bahia. Na Alemanha, o povo se mostrou curioso ao ver as belas imagens veiculadas pelas TVs do país.

– Santo André era um lugar totalmente desconhecido, aí de repente vem a Alemanha e nos dá essa oportunidade. A Alemanha escolheu Santo André e deu vida a esse lugar, foi um privilégio para nós receber os alemães aqui durante quase 40 dias. A Copa foi boa para todos e melhor ainda para Santo André – opinou a comerciante Zete Moreira, dona de um restaurante.

– A seleção vai sair daqui nos deixando com o coração dividido. Não só a pureza deles, como também essa integração entre alemães e o povo baiano, não só indígenas. Foi muito bom para que pudéssemos aprender com eles e vice-versa. Achei que fossem pessoas frias, sem coração praticamente. Pelo contrário. Eles receberam os indígenas muito bem. Deram aula de ensino para nós, e assim sai o legado daqui. A saudade de estar diretamente com eles, e que possam mais vezes vir visitar a nossa região e a nossa aldeia no extremo sul da Bahia – encerrou Zeca Pataxó, cacique da Aldeia de Coroa Vermelha.

Fonte: GE


SRN

Fonte: http://www.noticiasfla.com.br/2014/07/Segredo-sucesso-como-Alemanha-criou-empatia-Brasil.html

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